Ambiente de confiança é o maior bem que o regulador pode prover, diz Octaviani
26, Mai. 2023
Por Ilan Goldberg e Thiago Junqueira
Fonte: Revista Consultor
Jurídico – Conjur.com.br – Coluna Seguros Contemporâneos
Em entrevista à coluna Seguros Contemporâneos, o
superintendente da Susep (Superintendência de Seguros Privados), Alessandro
Octaviani, aborda os aspectos prioritários de sua gestão e a continuidade de
projetos já em curso da autarquia, bem como os impactos da Lei da Liberdade
Econômica no setor de seguros.
Professor doutor de Direito Econômico na Faculdade de
Direito da USP (Universidade de São Paulo), Octaviani atuou como conselheiro do
Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e possui uma extensa lista
de publicações na área do Direito Econômico.
Pergunta – Em primeiro lugar, parabéns pela nomeação como
superintendente da Susep. Você já havia se imaginado ocupando esse cargo? Era
algo que almejava ou o convite foi uma surpresa?
Octaviani – Minha vida profissional é dedicada ao Direito
Econômico, ramo no qual se insere o Direito Econômico do Seguro, com o qual
iniciei minha carreira e com o qual lido há muitos anos. O convite para a Susep
foi uma completa surpresa; é uma grande honra, que, para ser desempenhada
adequadamente, merece toda a dedicação possível.
Pergunta – Além de zelar pela defesa dos interesses dos
consumidores dos mercados supervisionados, entre as principais finalidades e
competências da Susep está a de fiscalizar a constituição, organização,
funcionamento e operação das Sociedades Seguradoras, de Capitalização,
Entidades de Previdência Privada Aberta, Resseguradores e corretores, na
qualidade de executora da política traçada pelo CNSP. Tendo isso em vista,
poderia nos dizer quais temas entende serem os mais delicados e carentes de enfrentamento
ao longo da sua gestão?
Octaviani – O escopo de atuação da Susep é bastante amplo, e
todas as áreas demandam atenção. A autoridade está submetida à Constituição e
leis que a concretizam. Identificar como o seguro pode ser funcional ao novo ciclo
de investimentos no país e zelar pela confiança nessas contratações é uma
tarefa que concretiza a Ordem Econômica Constitucional e o Decreto Lei 73/66,
artigo 5º, VI. Nesses termos, a Susep deve zelar pelo ambiente de confiança
geral no mercado, a fim de incentivar o consumo, gerando um ciclo constante de
prosperidade a todos os atores.
Pergunta – Desde a gestão da ex-Superintendente da Susep
Solange Paiva Vieira, pudemos observar algumas mudanças interessantes no que
toca ao implemento de inovação e tecnologia no mercado de seguros, como o
sandbox regulatório, o open insurance e, quanto à elaboração dos contratos de
seguros, o fim dos clausulados padronizados, ao menos no tocante aos seguros
para grandes riscos, o que alinhou o mercado local a outros tantos mercados
mais desenvolvidos. Em tempos da chamada uberização da economia como um todo,
como o Sr. observa o advento da tecnologia, da inovação e uma menor rigidez
regulatória à elaboração dos contratos no mercado de seguros?
Octaviani – O artigo 192 da Constituição e o artigo 2º do
Decreto lei 73/66, entre tantos outros, conectam diretamente a atividade de
seguro ao desenvolvimento nacional, funcionalizando os contratos para fins
muito nobres, que devem ser atingidos, como o fortalecimento da infraestrutura
brasileira, o acesso ao seguro por novas camadas da população, o aumento de
nossa capacidade de produção alimentar, os cuidados com os riscos cibernéticos
e climáticos, entre tantos outros. A identificação de tais garantias
securitárias à Ordem Econômica Constitucional e seu adequamento à legalidade
constituem um relevante contributo à tutela jurídica da confiança, impulso do
consumo e, portanto, da venda, gerando um ciclo virtuoso para todos os atores.
Pergunta – Alguns projetos iniciados pelas gestões
anteriores foram deixados de lado, como a divulgação de decisões de processos
sancionadores das supervisionadas em primeira instância. Como a sua gestão
pretende dialogar com os projetos/normas anteriores?
Octaviani – Atualmente estão em curso diversos projetos de
gestões anteriores que recebem grande atenção, dada sua utilidade e adequação
para a ordenação do mercado de seguros.
Pergunta – Há um certo consenso de que a Susep adotou, em
tempos recentes, uma postura mais pedagógica e menos punitiva. Você pretende
seguir por esse caminho ou acredita que seja necessária a fixação de sanções
rigorosas para as supervisionadas?
Octaviani – A função de ordenação econômica tem, de um ponto
de vista amplo, esses dois instrumentais, que devem ser usados para que os fins
da Ordem Econômica Constitucional sejam concretizados. Ambas as técnicas
apresentam sua utilidade e seus limites, devendo ser combinadas, sempre com a
premissa de respeito ao devido processo legal.
Pergunta – Quais são as suas ideias para uma maior
integração do mercado brasileiro ao mercado internacional de seguros e
resseguros?
Octaviani – O Brasil é um país com imenso potencial de
desenvolvimento econômico e, em um mundo em reformatação, em que a China
expande seus investimentos externos e passa a exercer pressão sobre os países
do ocidente para que façam o mesmo, nosso país tem uma imensa oportunidade.
Esses investimentos certamente terão na contratação de seguros um de seus eixos
mais importantes, sendo necessária a tutela jurídica da confiança econômica,
que se expressa em clareza contratual e respeito à Ordem Pública nacional. A
garantia do ambiente de confiança entre segurados, seguradores e resseguradores
é o maior bem público que o regulador pode prover ao mercado como um todo.
Pergunta – Qual a sua visão sobre os influxos da Lei da
Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019) no setor de seguros e a necessidade de
análise de impacto regulatório (disposta no Decreto n° 10.411/2020)?
Octaviani – A Ordem Econômica Constitucional, em seus
artigos 3º, 174, 170, 219, 192, entre outros, determina que a atividade de
seguro se articule ao projeto de desenvolvimento nacional, e inúmeros
instrumentos devem ser funcionais a tais finalidades. O exercício da disciplina
dos mercados deve buscar utilizar todos os instrumentos que auxiliem na
concretização da Constituição.
Pergunta – Acredita ser importante bifurcar as normas
aplicáveis aos seguros de grandes riscos das normas aplicáveis para os seguros
massificados?
Octaviani – O ambiente negocial como um todo deve ser objeto da tutela da confiança econômica, como determinado pelo Decreto Lei 73/66, artigo 2º.
Pergunta – Como gostaria que a sua gestão no comando da
Susep fosse marcada? Quais são os principais obstáculos para que o seu plano se
concretize?
Octaviani – Os servidores da Susep são os grandes
responsáveis pela gestão, diária e diuturnamente. Vamos construir com eles um
ambiente de bastante trabalho, para que Ordem Econômica Constitucional seja
concretizada, a fim de ofertar um ambiente de confiança para todos os atores do mercado.
Ilan Goldberg
é sócio fundador de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados,
advogado, parecerista, doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (Uerj), mestre em Regulação e Concorrência pela Universidade
Cândido Mendes (Ucam), pós-graduado em Direito Empresarial LLM pelo Ibmec,
professor na FGV Direito Rio, FGV Conhecimento, Escola de Magistratura do
Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e na Escola de Negócios e Seguros
(ENS-Funenseg) e membro dos Conselhos Editoriais da Revista de Direito Civil
Contemporâneo (RDCC) e da Revista Jurídica da CNSeg.
Thiago
Junqueira é doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas pela Universidade de Coimbra,
professor convidado da FGV Direito Rio, da FGV Conhecimento e da Escola de
Negócios e Seguros, diretor de Relações Internacionais da Academia Brasileira
de Direito Civil, advogado e sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim
Advogados Associados.
https://www.conjur.com.br/2023-mai-25/seguros-contemporaneos-entrevista-alessandro-octaviani-superintendente-susep
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