China retoma produtividade com voracidade
06, Mai. 2020
China retoma produtividade
com voracidade
Enquanto a siderurgia brasileira opera com apenas 40% de
ocupação de suas usinas de aço, metade do nível ideal para o setor, os
fabricantes de aço da China voltam com uma recuperação rápida das atividades
após os impactos da pandemia da covid-19.
Com base em informações obtidas
da consultoria chinesa MySteel, a produção semanal de aço bruto na China
praticamente já recuperou o patamar verificado no mesmo período do ano
anterior, destaca o especialista da indústria siderúrgica, Germano Mendes de
Paula, professor titular da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Além disso, observa Mendes de
Paula, os estoques de produtos siderúrgicos no país ampliados durante a
pandemia estão regredindo nas últimas sete semanas, tendo já diminuído cerca de
25% frente ao pico.
Conforme a Associação de Ferro e
Aço da China (Cisa) e a Mysteel, os estoques totais de aço detidos por
produtores e distribuidores de aço do país representavam mais de 55 milhões de
toneladas no final de março, que é o mais alto já registrado e foi 160%
superior ao nível gravado no final de dezembro de 2019.
Muitas siderúrgicas chinesas
tiveram que recorrer ao uso de espaço de armazenamento externo, relatou Frank
Zhong, representante-chefe do escritório de Pequim da World Steel Association e
consultor em economia, matérias-primas e mercados.
A partir do final de fevereiro, a
maioria das siderúrgicas começou a reduzir os níveis de produção. Cerca de 73
altos-fornos (capacidade correspondente a 77 milhões de toneladas ao ano),
pertencentes a 47 siderúrgicas, interromperam a produção em 21 de fevereiro. A
produção diária de aço bruto em março foi cerca de 7% menor que em janeiro.
Como resultado, a menor produção
de aço aliada ao aumento da demanda do produto, os estoques em meados de abril
diminuíram cerca de 10% em comparação com o final de março.
Desde meados de março, informa
Zhong, o gargalo logístico diminuiu gradualmente, e o fornecimento de
matérias-primas e a entrega de produtos acabados de aço voltaram ao normal após
início de abril. Graças ao estoque de matérias-primas, a produção de aço bruto
da China no primeiro trimestre deste ano não diminuiu como seria de esperar. Ao
contrário, subiu 1,2%, em base anual.
Segundo Zhong, o impacto da
pandemia no país levou a uma contração geral: de 6,8% no PIB, 7,7% no
investimento imobiliário, 19,7% no investimento em infraestrutura, 17,2% na
engenharia mecânica, 44,6% na produção de veículos automotores, 28,5% no
mercado marítimo e a uma redução de 27,9% na produção de aparelhos de
ar-condicionado.
Mendes de Paula aponta que, no
caso de vergalhões, até 22 de abril, a produção crescia pela oitava semana
seguida, alcançando utilização da capacidade instalada de 78,5%. Ele acrescenta
que no mercado da construção, ainda que o ritmo da atividade seja menor (como
seria de se esperar), ainda existiam 7,2 bilhões de metros quadrados em
construção no final de março, segundo dados do National Bureau of Statistics,
da China.
Mendes informa ainda que recente
estimativa da associação chinesa do aço, que reúne os produtores locais, mostra
que a atividade de construção deverá inclusive aumentar sua participação na
demanda por aço no país, dos 55% no ano passado para 58% em 2020.
A Cisa também prevê que o volume
chinês de aço proveniente dos mercados interno e de exportação poderá regredir
para 842 milhões de toneladas em 2020, perfazendo uma retração de 3,8%. É uma
queda muito pequena, comparativamente ao que deverá ser verificado em outros
países.
A siderurgia chinesa é a maior do
mundo, e o país, o maior consumidor global de aço. A China respondeu no ano
passado por 53,3% de todo o aço bruto fabricado no mundo. Esteve próximo de
atingir 1 bilhão de toneladas em 2019, encerrou com a marca de 996 milhões de
toneladas.
O Brasil fechou 2019 com pouco
mais de 30 milhões de toneladas. O consumo aparente local foi na faixa de 20
milhões de toneladas.
Fonte: Valor
Secretários da Saúde veem novo ministro perdido
O Estadão relata que o oncologista Nelson Teich,
que assumiu o Ministério da Saúde há exatos 18 dias, ainda não mostrou a que
veio. A avaliação é de secretários estaduais, parlamentares e autoridades do
Sistema Único de Saúde (SUS) que participaram de reuniões e videoconferências
com o ministro nos últimos dias. Segundo os relatos, a impressão é de falta de
conhecimento da gestão pública e uma atuação tutelada por militares e pelo
Palácio do Planalto.
Sempre ao lado do general Eduardo
Pazuello, número 2 no ministério, Teich sai pela tangente quando confrontado
por assuntos mais espinhosos, como fim da quarentena e compra de respiradores.
As posições firmes de seu antecessor, Luiz Henrique Mandetta, muitas vezes
contrariando o presidente Jair Bolsonaro, foram apontados como motivo para sua
demissão do cargo.
O novo ministro, por sua vez, tem
evitado confrontar o presidente. Bolsonaro tem aumentado a aposta ao atacar
governadores que decretam quarentenas e voltou a participar de atos pró-governo
com aglomerações, como ocorreu no domingo, em Brasília. Horas após a
manifestação, em pronunciamento em Manaus (AM), Teich calou-se sobre o fato de
o chefe do Executivo ter atropelado recomendações de organismos de saúde e da
própria pasta sobre distanciamento social.
Nos bastidores, secretários de
Estados e de municípios dizem, em tom irônico, que o verdadeiro ministro da
Saúde é Pazuello, pois, em reuniões, o militar trata sobre o que a pasta de
fato entregará. Teich usa termos vagos, segundo estes interlocutores, e afirma
que busca dados ainda para praticamente todas as situações.
Em audiência no Senado, na semana
passada, Teich foi duramente criticado por senadores por não se posicionar
claramente sobre o isolamento social. Estou estarrecido. Com todo respeito, mas
acho que é uma dubiedade muito séria. Por favor, seja firme e claro nessa
posição. Dê o recado à nação como líder da Saúde no País. Não pode haver
dubiedade, especialmente quando o presidente da República está dando sinais
contrários, afirmou Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O clima na sessão piorou após o
ministro falar em alterar a diretriz de distanciamento social. Após queixas de
senadores, Teich defendeu-se, dizendo que o ministério nunca defendeu a saída
do isolamento: a pasta apenas dá diretrizes para que gestores do SUS decidam
sobre medidas restritivas.
Governadores e secretários do
Nordeste também notaram Teich perdido em videoconferência na última semana. O
ministro chegou a consultar os gestores locais sobre qual a melhor forma para
comprar respiradores ao País, sem depender de importadoras. O ministério
anunciou na última semana que falhou uma tentativa de compra de 15 mil unidades
da China, por R$ 1 bilhão.
Em Manaus, no domingo passado, o
ministro disse que o governo tentaria fazer nova importação de respiradores,
agora sem intermediários, mas não revelou quantos aparelhos deseja trazer ao
País. A pasta hoje depende da produção nacional, que, na visão de gestores do
SUS, não dará conta do aumento de casos no País.
Equipe. A composição da equipe de
Teich reflete acordos do governo Bolsonaro para costurar apoio tanto da ala
militar como de partidos do centrão no Congresso. O general Pazuello foi
indicado por Bolsonaro ao cargo de secretário executivo, número 2 do
ministério. No cargo, ele fica responsável por áreas estratégicas da saúde
durante a pandemia, como de compras e dados. O secretário executivo adjunto,
também nomeado na gestão Teich, é o coronel Elcio Franco Filho.
A Secretaria de Vigilância em Saúde
foi prometida ao PL, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão
e investigado pela Lava Jato. Ainda não há nome para o cargo. A pasta hoje é
ocupada pelo epidemiologista Wanderson Oliveira, que ganhou projeção ao
formular a estratégia contra a covid-19. Oliveira continua no cargo durante a
transição.
Único indicado pelo novo ministro a
ser nomeado como secretário até agora, o médico e biofísico Antonio Carlos
Campos de Carvalho vai ocupar a secretaria de Ciência e Tecnologia do
Ministério da Saúde. Ele é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
No cargo, Carvalho fica responsável
pela avaliação da oferta de tecnologias no SUS. A pasta emite notas técnicas
recomendando ou não uso da cloroquina, por exemplo. A secretaria ainda é
estratégica por tratar de parcerias com o setor produtivo, chamadas de PDP.
Bares fechados fazem roubos de carros migrarem para o período da
tarde
O Estadão destaca que, com bares e restaurantes
fechados em São Paulo por conta da pandemia, os bandidos se adaptaram ao novo
horário. Um número maior de furtos e roubos, que antes acontecia durante noites
e madrugada, passou a ser feito à tarde, na base de 700 mil clientes da empresa
de serviços de proteção Ituran.
Enquanto entre 1 de março a 22 de
abril de 2019, 45% dos crimes aconteceram na noite e na madrugada e 27% foram
praticados à tarde, no mesmo período deste ano, 40% passaram a ser feitos
depois que o sol se põe e 32%, à tarde.
Também houve aumento significativo em
crimes envolvendo caminhões e cargas, em torno de 80% no comparativo com o ano
passado, com o crime migrando para as áreas em que foi registrado maior
movimento.
Em termos nominais, houve queda de
33% no número de furtos e roubos na base da Ituran, de 23 de março a 22 de
abril, em relação ao mesmo período do ano passado. Porém, segundo Rodrigo
Boutti, gerente de operações da empresa, proporcionalmente, aconteceram a 16%
mais crimes no período de isolamento, do que quando a circulação social estava
em 100%. A demora na comunicação dos crimes também aumentou, o que pode indicar
mais fraudes.
Hapvida prevê
investimento de R$ 250 milhões
O Valor Econômico relata que a Hapvida vai
investir neste ano R$ 250 milhões para ampliar sua infraestrutura de
atendimento médico. Somado a esse valor, a Canadá Investimentos, empresa
patrimonial da família Pinheiro, controladora da operadora de planos de saúde,
vai colocar outros R$ 200 milhões em aquisições, obras e reformas de imóveis.
Parte dos imóveis que abriga os 39 hospitais do grupo pertence à Canadá.
Segundo Jorge Pinheiro, presidente da
Hapvida, a companhia fez aquisições ou possui em andamento obras para
construção de novos hospitais em Manaus, Belém, Bahia, Pernambuco, Alagoas,
Recife, Natal. Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, estão previstos três
novos hospitais e quatro pronto-atendimentos que vão operar por meio das
operadoras São Francisco, Américas e RN, adquiridas no ano passado. As obras
serão entregues entre 2020 e 2024, disse Pinheiro.
Do montante alocado para ampliação
neste ano, R$ 65 milhões já foram usados para melhorar a infraestrutura de
atendimento de pacientes com ou suspeita da covid-19. Temos condições para
abrir de imediato mais 300 leitos e 100 de UTI [Unidade de Terapia Intensiva]
se houver necessidade para atender pacientes do novo coronavírus, disse o
executivo.
Atualmente, o grupo conta com 2,6 mil
leitos, sendo 555 de UTI. A taxa média de internação no grupo gira em torno de
62%. Ontem, havia 271 pacientes internados em enfermaria e 178 em UTIs dos
hospitais do grupo.
Entre os usuários da operadora, foram
registrados até ontem, 5,5 mil casos confirmados do novo coronavírus, com 297
óbitos e 1,3 mil pacientes se recuperaram da doença. Nas praças de atuação da
operadora, o cenário mais complexo é em Pernambuco, com quase 1,9 mil casos
confirmados, seguido do Ceará, com 1,7 mil.
O setor privado
de saúde pede ajuda
Por Adelvânio Francisco Morato,
presidente da Federação Brasileira De Hospitais (Fbh), no Estadão
A crise econômica provocada pela
pandemia da covid-19 exigiu que o governo desenvolvesse ações para reduzir a
perda de empregos, transferir renda para a parcela mais carente da população,
bem como socorrer os diversos setores da economia. Ações fundamentais, em razão
da gravidade da situação em que o País se encontra. Porém, justamente uma
relevante parte da rede hospitalar privada, que tem se mobilizado para apoiar o
poder público no atendimento dos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), se
vê até o momento desamparada.
O que talvez a sociedade não saiba é
que a crise também atingiu os hospitais. Num primeiro momento, o setor viu os
custos dispararem com o aumento dos preços de diversos insumos. Itens básicos
como máscaras e luvas registram aumentos absurdos de até 400%. Concomitantemente,
a quantidade de atendimentos despencou em muitos estabelecimentos, a partir da
orientação do Ministério da Saúde de adiar cirurgias e exames que não tivessem
relação com o coronavírus.
Isso, no entanto, provocou uma queda
absurda no número de atendimentos, o que resultou na perda de receitas. E essa
equação de aumento de custos e queda da receita gera um cenário preocupante
para os hospitais de menor porte. Em outras palavras, muitos deles, caso não
haja medidas de proteção para esses estabelecimentos, fecharão as portas nos
próximos meses.
Uma solução seria o programa de Apoio
Emergencial ao Combate da Pandemia do Coronavírus, promovido pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É uma iniciativa que
gera linhas de crédito para atender empresas de saúde neste momento delicado.
Entretanto, ele justamente desconsidera os hospitais que tenham menos de 100
leitos, além de exigir que o financiamento mínimo seja de R$ 10 milhões.
Na prática, isso significa excluir
boa parte da rede hospitalar privada, que é, em sua maioria, composta por
unidades de pequeno e médio portes. E são estes os que não têm escala para
negociar valores menores com os fornecedores e, muito menos, capital de giro
para se manter em período de queda abrupta de recursos. Em outras palavras, o
socorro não veio para os estabelecimentos que mais dificuldades enfrentam.
Um outro alerta que a Federação
Brasileira de Hospitais (FBH) faz é de que o programa também não inclui os
prestadores de serviços de medicina diagnóstica, que são imprescindíveis no
adequado funcionamento do sistema de saúde, ainda mais por serem os
responsáveis pelas atividades de diagnosticar se um paciente está ou não
contaminado pelo coronavírus. São estabelecimentos que também estão na linha de
frente do combate a esta pandemia.
Mesmo aqueles que se encaixam nas
regras para receber a linha de crédito enfrentam a limitação da forma como
aplicar esses recursos. Atualmente, a iniciativa do BNDES é destinada ao
aumento da oferta de leitos emergenciais, bem como de equipamentos, materiais,
insumos, peças, componentes e produtos. Isso impede, por exemplo, o uso do
crédito com a folha de pagamento, que representa 50% dos custos de um hospital.
Por isso, é necessário que o BNDES
reveja as regras e reduza o valor mínimo a ser financiado, bem como a liberação
da quantidade mínima de leitos, para que todos os serviços de saúde do País que
atuam no combate à pandemia possam ter acesso ao financiamento.
Abranger o acesso à linha de crédito
aos estabelecimentos de menor porte e aos serviços de diagnóstico é de
interesse nacional, do ponto de vista da saúde e da economia. Se a crise no
setor privado de saúde se aprofundar neste momento, significa mais desemprego e
menos leitos para atender. Quem vai mais sofrer será justamente a população
brasileira, principalmente no interior do País, onde o SUS realiza parcerias
com estabelecimentos privados para atender à demanda ali existente.
É
fundamental a atenção do governo ao pleito que a FBH vem defendendo e que se
estabeleça um consenso com o BNDES, em vista da essencialidade da continuidade
das operações dos serviços de saúde para o combate ao coronavírus, bem como
para todos os outros atendimentos que dependem dos hospitais e das clínicas de
diagnóstico. Se não houver alternativas para manter a sustentabilidade desses
estabelecimentos, a situação se tornará irreversível e o prejuízo para o País
será incalculável.
O MERCADO SEGURADOR E A PANDEMIA COVID-19
Se me
fosse possível, escreveria a palavra seguro no umbral de cada porta, na fronte
de cada homem, tão convencido que estou de que o seguro pode, mediante um
desembolso módico, livrar as famílias de catástrofes irreparáveis. Winston
Churchill
Antes
de tudo, esclareço que este não é um artigo jurídico, embora contenha alguns
elementos de Direito do Seguro e Direito Contratual. Também não é um escrito
técnico sobre o negócio de seguro. Trata-se apenas de um comentário em tom de
desabafo, um despretensioso ensaio cujo objetivo é tão apenas expor uma
situação importante e a respeito dela sugerir uma reflexão.
Soube
que corre na imprensa a notícia de muita gente pedindo a que não se declare seu
familiar como morto por COVID-19. Motivo: receber indenizações de seguro de
vida. Segundo se comenta, as seguradoras estariam se recusando a indenizar
mortes causadas por coronavírus.
Mais
uma vez o negócio de seguro é vítima do estereótipo. Não é que as seguradoras
não querem pagar: elas simplesmente não podem.
Morte
por pandemia ou não é risco efetivamente coberto ou é risco expressamente
excluído. Não se trata de má-fé, muito menos de insensibilidade.
Seguradoras
não podem pagar indenizações em razão de atos ou fatos não previstos na
apólice. O pagamento indevido prejudica interesses de todo o colégio de
segurados (vocês e eu) e, indiretamente, os da sociedade em geral, tendo em
vista a função social de que se reveste o seguro.
No que
for possível, o mercado segurador não deixa de cumprir seus deveres legais e
morais também nesta crise pandêmica, como sempre os cumpriu, presente e atuante
nas grandes catástrofes. Apenas não lhe é dado pagar o que não deve ou o que
não pode.
Feito
este esclarecimento sobre a dinâmica do negócio de seguro, contudo, como me
disse Sérgio Luiz Hoeflich, meu padrinho na Academia Nacional de Seguros e
Previdência, a maior parte do mercado pagará indenizações de seguros de vida,
buscando ajustar os clausulados das apólices ao momento. É o mercado de seguros
atuando pelo bem comum.
Com
certeza não se tratará de pagamento indevido, ex gratia, mas de um ajuste à
vista da necessidade extraordinária a envolver a situação.
O
mercado segurador sensibiliza-se com os desafios e problemas do momento.
Mostra-se solidário e compreensivo; e vai além dos princípios normais de boa-fé
objetiva e da função social das obrigações. Em meio à desordem do mundo,
marcado pelo erro e pelo relativismo moral, é realmente gratificante ver que
instituições tradicionais, como as seguradoras, têm se mantido firmes,
atenciosas, solidárias, presentes na vida das pessoas e ajudando a manter a paz
e a ordem social.
Sem as
seguradoras Londres e Chicago, por exemplo, não teriam se reerguido dos
incêndios que as devastaram; Lisboa não teria se recuperado do terremoto que
séculos atrás a engoliu; o Japão não se teria levantado das últimas catástrofes
que o atingiram.
As
seguradoras não são imunes ao erro. Nem são instituições de caridade. Estão,
porém sempre presentes na vida das pessoas, mantendo o vigor intacto a despeito
da ruína. É um segmento da economia incompreendido e injustiçado.
Nenhum
oferece tanto retorno ao seio social e, mesmo assim, se vê tão cercado pela
surdez dos lugares-comuns, pela cegueira do estereótipo que se arraigou na
imaginação coletiva.
Pois
bem, desfeita a injustiça propagada pelo noticiário, é certo que, se a apólice
de algum seguro contiver previsão para pandemia, o benefício será pago efetivamente.
Isso não se põe em dúvida.
A
exemplo invoco a organização do mais famoso torneio de Tênis do mundo,
Wimbledon. A organização por anos a fio pagou o prêmio adicional por pandemias.
Gastou quase três milhões de libras por essa cobertura, nunca antes usada. Até
que chegou o dia; e por uma quantia relativamente módica, decantada em anos,
receberá quase 130 milhões de libras hoje. A previdência socorreu Wimbledon.
Escancarou ao mundo a importância de não poupar recursos ao lidar com a
segurança. É a cultura do seguro por excelência.
Em
muitos outros casos, sem deformar a essência do seguro, as seguradoras agirão,
como têm agido, com dignidade e respeito aos interesses de segurados e/ou
beneficiários. No Brasil, optaram por algo não ortodoxo. Mas nem um pouco
errado.
Segundo
me disseram profissionais do setor, a maioria das seguradoras, por liberalidade
e solidariedade, acabou indenizando beneficiários de seguros de vida, mesmo
diante de risco explicitamente excluído da maior parte das apólices [morte por
pandemia].
Diante
da questão extraordinária, o mercado ofereceu resposta também extraordinária,
demasiado humana, ligada a princípios, antes de se deixar guiar pelo que seria
jurídica e economicamente possível e viável. Uma decisão não ortodoxa. Mas não
errada.
Mesmo
assim, muita gente anda a espalhar constatações desacertadas sobre seguradoras
e contratos de seguro. Para meu desgosto, ao conversar com dois dos principais
profissionais do segmento, soube então que tem muita gente (pessoas naturais e
jurídicas) abusando dessa boa-fé, invocando coberturas contratuais onde elas
simplesmente não existem.
E isso
só no Brasil. Em outros mercados, mais sólidos, a exclusão do risco pandemia do
clausulado das apólices sequer é posta em discussão. Nenhum pagamento se faz
por isso.
No
Brasil, o segurador opta por abrir o coração aos segurados, indo além dos
deveres, e, em vez de reconhecimento e prestígio, padece em meio a pleitos
aventureiros, imorais, sem cabimento. Eis um exemplo do brasileiro a querer
levar vantagem em tudo.
Também
é importante fazer algumas observações sobre a teoria da imprevisão.
Falemos
então sobre ela.
Em
primeiro lugar, a teoria não é um balaio de gatos em que se aceita tudo. É
importantíssima, positivada em muitos ordenamentos jurídicos pelo mundo,
presente especialmente no sistema de Civil Law, a servir ao Direito das
Obrigações de mecanismo de calibragem.
Exatamente
pela importância que a envolve e pela filosofia do Justo que a embasa, não pode
ser invocada para favorecer o torto, em ofensa frontal ao Direito, sem a
atenção dos mais importantes princípios: proporcionalidade, razoabilidade,
dignidade, boa-fé, isonomia, equidade, não surpresa, entre outros.
Gosto,
sempre que possível, lembrar das palavras do grande professor espanhol Eugenio
Llamas Pombo, catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da
Universidade de Salamanca, ditas em aulas da pós-graduação em Derecho del Seguro
e de Contratos y Daños: Contrariamente a la creencia popular, las aseguradoras
no reclaman pagar indemnizaciones. No se niegan a pagar. Solo quieren saber qué
y cuánto pagarán. Solo quieren conocer sus riesgos y la seguridad de pagar lo
que es justo.
De
fato, as seguradoras não se negam a pagar quando devem. Apenas têm de saber o
que vão pagar, a quem vão pagar e o valor em que devem fazê-lo.
Quando
abrem exceção, pela extraordinariedade das circunstâncias, fazem-no ancoradas
em práticas salutares de mercado, na fidelidade jurídica, ainda que
principiológica, na boa ordem moral e segundo o senso de beneficiar o colégio
de segurados.
Já que
mencionei um jurisconsulto espanhol, invoco a ideia de José Ortega y Gasset, um
dos grandes filósofos que aquele belo país deu ao mundo: o poder das
circunstâncias.
Há
sempre uma importância formidável em levar em conta as circunstâncias e as
perspectivas que abrem a cada frêmito de vida. Cada circunstância obedece a uma
formatação irrepetível, que se abre ao agente que a deve reabsorver ou ser por
ela vencido. As diferentes circunstâncias, as mais anômalas, demandam esse
olhar renovado, essa abertura às novidades boas ruins e, em função delas, às
ações compatíveis com o que o presente exige.
Dói
ver esse brasileiro tapa na mão que o mercado segurador estendeu ao bem comum.
Quem
busca vantagem indevida neste momento tão doloroso, abusando da boa-fé das
seguradoras e enxergando na solidariedade um precedente para o abuso, terá em algum
momento de ocupar-se dos portões de fogo em que Dante Alighieri viu a arder a
mais desoladora inscrição: O tu che entri, abbandona ogni speranza. [Ó, vós que
entrais, abandonai toda esperança].
Essa
frase deveria nos deveria acompanhar como homenagem perpétua ao dever de
retidão.
Aliás,
dizia ainda com muita razão o pai da língua italiana: Com aquela medida que o
homem usa para medir a si mesmo, mede as suas coisas. Pois o incapaz de
enxergar a nobreza solidária do próximo é um verdadeiro cego moral;
impossibilitado de ver o mundo com as lentes da verdade e da dignidade, tudo
medirá conforme o palco sombrio do próprio coração.
O
mundo dos negócios não é medido pela frieza que dele se costuma imaginar.
Participam de cada ação também valores, princípios, sentimentos. Afinal, são
pessoas ali trabalhando. Infelizmente, há quem procure tirar vantagem, forçando
paridades estranhas e imprevisões teóricas.
Desde
o início da crise tenho dito: não faltará quem gente atirando na conta da
COVID-19 a própria ineficiência os problemas anteriores.
Sobre
isso escrevi e publiquei:
Uma
constatação!
Aconteceu
no Plano Collor. Acontece agora.
Muita
gente coloca no distanciamento social da pandemia COVID-19 a culpa pelo
insucesso do seu negócio.
Sim,
eu sei que existem empreendedores que de fato sangram por causa do
distanciamento social. E sei que muitos trabalhadores perderam empregos. Não
sou insensível, muito menos idiota. Só posso lhes hipotecar solidariedade e
endereçar orações.
Não é
desse grupo que falo. Aos que verdadeiramente sofreram e sofrem efeitos, espero
que credores sejam compreensíveis e que o Direito se lhes seja de algum modo
favorável, bom remédio, ainda que paliativo.
Falo
de outro grupo, talvez não bem-intencionado, que culpará a presente crise,
extraordinária, para não cumprir obrigações ou não assumir problemas de gestão
ruim preexistentes.
Dou um
exemplo, até fora do circuito business: conheço gente de classe média alta, que
não passa por problemas financeiros, que demitiu alguns empregados somente para
não lhes pagar salários sem as contraprestações funcionais.
Isso,
penso, não é bacana e demonstra até falta de grandeza.
Termino
enfatizando que não é um comentário político, nem ideológico, mas puramente
social, talvez moral.
Não
estou a discutir o distanciamento social, seus aspectos positivos e negativos,
mas apenas a tratar de um sub-aspecto dentro de todo o contexto.
Particularmente,
cinismo e oportunismo vulgar irritam e muito!
De
fato, vejo quem não está sofrendo, ou está sofrendo muito pouco os efeitos
materiais do distanciamento social, buscar toda sorte de vantagens indevidas
ou, pior, a fuga cínica dos deveres e obrigações. A pandemia pode se tornar o
pandemônio tão apenas pelas torções que se farão à lei e pelas tentativas de
enriquecer à custa da boa-fé do outro. No Brasil, ser generoso é uma
dificuldade, a grandeza às vezes parece demérito.
Nunca
é demais lembrar que sempre que uma seguradora é obrigada a pagar indenização
indevida não é só ela quem perde, mas todos os segurados. E, indiretamente, a
sociedade.
Por
isso, espero que a situação não escape ao Poder Judiciário no que em breve lhe
couber decidir. É preciso separar o joio do trigo. É preciso saber quais casos
podem submeter-se à teoria da imprevisão ou a uma forma diferenciada de
enxergar direitos e obrigações. Repito então o que escrevi em outro texto:
O
Brasil, infelizmente, se notabiliza pela quantidade assustadora de gente que
deve e que, se lhe fosse dada a chance, seria capaz entortar a ordem jurídica
inteira apenas para continuar devendo. Não é preciso nem perder tempo
argumentando sobre a má-fé que por vezes erige monumentos argumentativos
enormes para justificar-se. Isto se vê também no negócio de seguro. Segurados
que não querem pagar prêmios ou cumprir deveres contratuais supostamente porque
prejudicados pelos efeitos materiais da pandemia. É certo: não poucos buscarão
na teoria da imprevisão a sua solução de vida. Por isso a necessidade de
parcimônia no momento de aplicá-la. Sensibilidade não é escusa para pisotear a
visão econômica do Direito ou para abusar da real visão humanística que pode
haver nele. Disse isso antes, digo novamente, agora. Direi sempre, aliás.
Exemplo
de uma aplicação repleta de excelência humana é a que levou ao Ministro do
Superior Tribunal de Justiça Paulo Dias Moura Ribeiro a indicação recente para
o Prêmio Nobel da Paz (capitalismo humanista). O que as seguradoras fizeram,
aqui no Brasil, ao ampliar a cobertura dos seguros de vida e abraçar um risco
expressamente excluído, como o de pandemias, nada mais foi do que a aplicação
do chamado capitalismo humanista ou, ainda, do que a Igreja fez e faz constar
da sua Doutrina Social. Aliás, desde a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão
XIII, tem-se a ideia de que é possível o exercício da economia de mercado de
forma livre, sem grilhões ideológicos, porém alimentada moralmente pela
presença dos valores fundamentais em todos os planos do seu exercício.
Uma má
aplicação de tais preceitos, entretanto, afetará a reputação geral das teorias
familiares a esta, e aqueles que realmente dela necessitarem podem se deparar
com ouvidos já cansados de ouvir aquela mesma história, e que, por essa razão,
podem acabar proferindo injustiças. Os desafios dos protagonistas da economia,
de empreendedoras e pessoas em geral, naturais ou jurídica, postos sob a
assistência dos profissionais de Direito, serão enormes. Extraio esse cuidado
da minha especialidade: o Direito do Seguro.
Nenhum
negócio jurídico-econômico se reveste mais de função social do que o de seguro.
O contrato de seguro encontra-se umbilicalmente ligado ao interesse público.
Aliás é aquele que na esfera privada mais se submete ao controle estatal. A
saúde econômico-financeira de uma sociedade passa antes pela saúde do seu
sistema securitário. Quando litiga em Juízo, uma seguradora não defende apenas
os seus direitos e interesses. Por força da mutualidade, do corpo imenso que
ela representa, o faz também em defesa dos segurados e da sociedade em geral.
Quando
se condena a Seguradora a pagar o que não devia, ou por algum equívoco se lhe
nega o ressarcimento em regresso, sofre não apenas ela, mas todo o enorme
colégio de segurados. Quando devedores inadimplentes, por vezes eivados de
má-fé, são contemplados indevidamente, por força das circunstâncias, com um
benefício tão poderoso e necessário como o da teoria da imprevisão, sofre não
apenas seus credores, mas toda a sociedade, ainda que não consiga dar conta
disso imediatamente.
Da do
negócio de seguro sinto-me autorizado a afirmar que a aplicação criteriosa da
teoria da imprevisão é questão de ordem pública e de interesse social. Não
pende para o campo duvidoso das ideologias, mas segue o caminho da ratio bem
definida do Direito. Mais ainda, lembrando do eterno Código de Justiniano,
deve-se ter aplicação criteriosa, adequada, da qual dependerá a concretização
da a eterna e constante vontade de dar a cada um o que é seu.
Economia
e Direito são faces duas faces da mesma moeda; e, mais do que nunca, terão de
caminhar juntos, entre afagos e choques, sobre as pedras dessa via acidentada,
sobre as ruínas do presente.
Estamos
em um momento difícil, desafiador. Exige de nós resiliência, cuidado e boa-fé.
Adotei uma frase ao modo de uma jaculatória: se todo mundo perder seu pouco, talvez
poucos perderão seu muito. Este é o espírito que deve nos animar durante a
crise. Perder o menos possível significa olhar para os outros com zelosa
atenção, cumplicidade. No mundo dos negócios, no universo corporativo, o
mercado segurador deu bom exemplo e sinalizou caminho. Que ele seja
reconhecido, não vilipendiado.
Estamos
em um tempo de novas mentalidades, práticas e posturas. Não podemos mais
admitir o uso inadequado e abusivo das relações negociais e do Direito. Um
tempo propício para transformação, para renovação e, paradoxalmente, para
respeitar tradições, como as que fomentam valores. Porque é por meio delas que
sabemos quem somos e o que devemos fazer.
Autor: Dr. Paulo Henrique Cremoneze