“Está tudo misturado. Cabe um pouco ao gestor de risco mostrar as diferenças entre as áreas”
Os
escândalos recentes e a Operação Lava Jato deram impulso ao gerenciamento de
risco, à governança e ao compliance no Brasil. Vendo o potencial de estragos
quase todo dia nos jornais e na televisão, um número maior de empresários
despertou e busca hoje se antecipar e entender melhor os riscos de seu negócio.
Mas
esse movimento, positivo para o setor e para o mercado, vem ocorrendo em meio a
uma certa confusão com esses três pilares da boa administração, avalia Marcelo
D’Alessandro, membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de
Gerenciamento de Riscos (ABGR).
“Está
tudo misturado. Cabe um pouco ao gestor de risco mostrar as diferenças [entre
as áreas]”, disse ele em entrevista à Risco Seguro Brasil. “Governança,
compliance e gestão de risco têm de ser independentes e complementares. Não
precisam estar amarrados.”
Apesar
disso, D’Alessandro considera que o setor passa hoje por um “crescimento de
maturidade” no país.
“As
empresas estão muito mais abertas a entender que seus riscos podem comprometer
não só o fluxo de caixa, a imagem, a operação, mas também a própria pessoa [os
administradores]”, afirmou D’Alessandro, que tratará do tema em palestra no dia
28 de outubro, durante o Seminário Internacional de Gerência de Riscos e
Seguros, promovido pela ABGR em São Paulo.
Juntos,
mas separados
D’Alessandro
recorre à teoria de administração para justificar a separação e independência
entre os setores. “A governança tem de zelar pela proteção da missão da
empresa; o compliance, pela conformidade das regras; e a gestão de risco por
acompanhar todos as ameaças e encontrar a solução para elas”, disse.
“Os
três se complementam, mas, quanto mais independente for cada um deles, melhor o
outro vai se desenvolver.”
D’Alessandro
acredita que a autonomia do gestor de risco é fundamental para o melhor
desempenho de sua função. Daí que seria importante ele fazer parte do board da
companhia e responder diretamente à presidência.
“A
função não pode estar amarrada nem ao compliance nem à governança. Por quê?
Porque ela é uma área independente. Ela mostra risco inclusive de uma tomada de
decisão ruim da governança.”
Mercados
onde a gestão de risco é mais madura, como França e Estados Unidos, trabalham
dessa forma, completou ele. “A gestão de risco se reporta diretamente ao Chief
Risk Officer (CRO)”, afirmou.
O
gestor acredita, no entanto, que esse processo terá lugar, com o passar do
tempo, também no Brasil.
“Temos
um problema cultural. O presidente da empresa ainda não entende que precisa de
um diretor de risco”, afirmou. “O gestor pode contribuir muito em fazer com que
a presidência entenda que ele precisa estar mais ligado diretamente a
ela. Senão volta ao problema de localizar um risco e não ter orçamento para
comprar o seguro adequado… Precisa ter autonomia para mostrar essas coisas ao
comitê que vai analisar o problema.”
D’Alessandro
vê dois setores produtivos em que esse modelo de gestão está mais à frente no
Brasil: o de laboratórios químicos e farmacêuticos e a indústria
automobilística. “Eles têm um sensível destaque, mas mesmo assim ainda misturam
funções de auditor com gestão de risco,” disse ele.
Riscos
emergentes
Quanto
melhor for o desenho administrativo em que a gestão de risco vai se desenvolver
no Brasil, mais condições terão os profissionais para enfrentar desafios cada
vez mais sérios.
Os
riscos emergentes são um bom exemplo. Para D’Alessandro, eles representam o
ponto mais sensível para o setor nos próximos anos.
“Todas
as empresas sofrem ataques cibernéticos”, exemplificou. “Mas tem muita gente
mandando pessoal de TI embora. Não vai ser o gestor de risco, com um martelo de
Odin na mão, que vai resolver esse problema. As duas áreas precisarão atuar
juntas para mitigar deste problema nas companhias.”
Na
parte ambiental, outra área que vem exigindo atenção cada vez maior, o diretor
da ABGR considera que o país trata do assunto como se fosse “um campo de
várzea”. “Não conseguimos nem jogar o lixo no lugar certo,” afirmou.
Ele
vê nas questões ligadas à responsabilidade civil fatores que funcionam hoje
como intimidadores para muitos profissionais, porque há uma pressão e cobrança
muito grande da mídia, exigindo dedicação crescente dos profissionais de risco.
Mão
de obra e salários
Mesmo
com demanda crescente, o setor tem na mão de obra e
na remuneração dois de seus gargalos, considera D’Alessandro.
Há
carência de profissionais com o mix de habilidades necessárias para o bom
desempenho das funções: boa formação técnica no setor produtivo em que atuam, conhecimento
específico de gestão de risco, fluência em inglês e conhecimento de seguros.
Sem
essa “grade”, os profissionais que começam na profissão precisam aprender na
prática, diz D’Alessandro. E é dessa forma que boa parte dos departamentos de
risco nas grandes companhias vem trabalhando.
“Há
carência de profissionais, mas há também de salários”, diz o gestor. “Quando se
tem bons salários, o mercado se movimenta mais no nível estratégico do que na
base.”
Segundo
ele, a “escada” da profissão de gestor de risco hoje no Brasil ainda está
curta, não se estende até o nível de diretoria.