A Resolução CNSP nº 407/2021 e a ADI nº 7074 – Comentários sobre a Recente Manifestação da PGR
09, Jun. 2022
Por João Marcelo dos Santos (*)
Fonte: Editora Roncarati.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.074, proposta
pelo Partido dos Trabalhadores, cujo principal objetivo é a declaração de
inconstitucionalidade da Resolução CNSP nº 407/2021, tem sido objeto de
preocupação por parte de segurados, seguradoras, resseguradores e de todos os
que reconhecem na existência de um setor de seguros funcional uma condição para
o desenvolvimento econômico.
A carência de fundamentos razoáveis exibida na petição
inicial deveria ser um elemento tranquilizador da sociedade e dos agentes
econômicos. Contudo, o fato de se tratar de controle concentrado de
constitucionalidade implica, para utilizar um nome caro ao setor de seguros, em
riscos catastróficos, que não podem ser ignorados.
Esse é o contexto no qual, em 31/05/2021, a Procuradoria
Geral da República apresentou o parecer AJCONST/PGR Nº 215200/2022, opinando
pela procedência do pedido, para que seja declarada a inconstitucionalidade da
Resolução CNSP nº 407/2021.
Tratando-se de uma manifestação da Procuradoria Geral da
República, não é possível simplesmente ignorá-la.
Assim, sendo evidentes as inconsistências do entendimento da
PGR, vamos apontá-las com o objetivo de realinhar expectativas e ajudar e
construir o futuro resultado da ADI.
Vejamos o que diz o Procurador-Geral da República:
O constituinte de 1988 inseriu o sistema financeiro nacional
na esfera legislativa da União, estabelecendo que este será “estruturado de
forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos
interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as
cooperativas de crédito, [e] será regulado por leis complementares que
disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas
instituições que o integram” (art. 192 da CF). Com fundamento em tal preceito
constitucional, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a autorização e o
funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e
capitalização, bem como do respectivo órgão fiscalizador, são matérias
reservadas à lei complementar e, assim, declarou a inconstitucionalidade da Lei
9.932/1992 (sic) por transferir, mediante lei ordinária, atribuições do IRB –
Brasil Resseguros S/A para a SUSEP. (Grifos nossos)
Como se nota, parece haver uma sugestão de correlação entre
a decisão do STF sobre a Lei nº 9.932/1999 (há um erro de, aparentemente,
digitação nesse trecho do Parecer, no tocante ao ano de edição da Lei) e a
supostamente desejável interpretação (presente) do art. 192 da Constituição
Federal. Ocorre que a redação do art. 192 não é mais a mesma, desde 2003, como
se nota abaixo:
Redação na época da edição da Lei nº 9.932/1999
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de
forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos
interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá,
inclusive, sobre:
I - a autorização para o funcionamento das instituições
financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a
todos os instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas
instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que
trata este inciso;
II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de
seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e
do órgão oficial ressegurador;
II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de
seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial
fiscalizador. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 13, de 1996)
III - as condições para a participação do capital
estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em
vista, especialmente:
a) os interesses nacionais;
b) os acordos internacionais
IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do
banco central e demais instituições financeiras públicas e privadas;
V - os requisitos para a designação de membros da diretoria
do banco central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos
após o exercício do cargo;
VI - a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de
proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até
determinado valor, vedada a participação de recursos da União;
VII - os critérios restritivos da transferência de poupança
de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior
desenvolvimento;
VIII - o funcionamento das cooperativas de crédito e os
requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação
próprias das instituições financeiras.
§ 1º A autorização a que se referem os incisos I e II será
inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa
jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro
nacional, a pessoa jurídica cujos diretores tenham capacidade técnica e
reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com o
empreendimento.
§ 2º Os recursos financeiros relativos a programas e
projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, serão depositados
em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados.
§ 3º As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. (Grifos nossos)
Redação Atual
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de
forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos
interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as
cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão,
inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o
integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003) (Vide Lei nº
8.392, de 1991)
I - (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
II - (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
III - (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
a) (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
b) (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
IV - (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
V - (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
VI - (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
VII - (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
VIII - (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
§ 1° (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
§ 2° (Revogado)
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
§ 3° (Revogado) (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)
Ou seja, ainda que se tivesse tratado do espaço de liberdade
do regulador legalmente legitimado (o que não ocorreu no Parecer), a referência
constante do Parecer da PGR está errada, ao menos na medida em que pretenda
indicar a correta e atual interpretação do ordenamento jurídico brasileiro.
Além disso, diz o Procurador-Geral da República:
Os arts. 7º, parágrafo único, e 24 da Resolução 407/2021, ao
eliminarem a necessidade de registro dos contratos de grandes riscos perante a
SUSEP, subtraem do referido órgão, por meio de norma infralegal, a competência
para fiscalizar contratos de seguros a serem firmados em ramos de grande
impacto na economia, quando deveria fazê-lo por meio de lei complementar.
Obviamente a competência da SUSEP para fiscalizar os
contratos de grandes riscos não foi minimamente suprimida.
Não é demais lembrar que os produtos comercializados pelas seguradoras são, em regra, registrados eletronicamente junto à SUSEP, por meio do Registro Eletrônico de Produtos, nos termos da Circular SUSEP nº 438/2012.
Exceção a essa regra são justamente os contratos de seguro
de danos para cobertura de grandes riscos, nos termos do art. 7º da Resolução
CNSP nº 407/2021. Isso, no entanto, sequer arranha ou toca a autoridade da
SUSEP para fiscalizar a adequação desses clausulados à legislação. Nada sugere
isso, nada existe que justifique objetivamente essa afirmação.
Isso se confirma, inclusive, pela necessidade de envio de
informações periódicas sobre tais contratos, pelas seguradoras, à SUSEP,
conforme estabelece a Carta Circular Eletrônica nº 5/2021/DIR1/SUSEP:
1. Em função da publicação da Resolução CNSP nº 407, de 29
de março de 2021, as Sociedades Seguradoras deverão comunicar à SUSEP as
informações relativas às emissões de apólices classificadas como de grandes
riscos, compreendendo:
a) os contratos de seguros de danos para cobertura de
grandes riscos, conforme disposto no inciso I do art. 2º da citada Resolução; e
b) os contratos de seguros de danos dos demais ramos,
previstos no inciso II do art. 2º da citada Resolução, desde que contratados
mediante pactuação expressa de suas cláusulas e, assim, não se sujeitem ao
registro eletrônico de produtos junto à Susep.
2. O envio de informações de que trata a presente Carta
Circular deve atender às orientações e procedimentos descritos no Manual de
Orientação para Envio de Dados, constante do sítio da SUSEP na internet
(http://www.susep.gov.br/menu/informacoes-aomercado/envio-de-dados-a-susep/grandes-riscos).
3. As informações devem ser enviadas mensalmente à SUSEP,
até o dia 15 (quinze) do mês subsequente ao de emissão das apólices, ou no dia
útil imediatamente posterior.
Na realidade, a necessidade de registro prévio de
clausulados de seguros de grandes riscos (que é, por outro prisma, a
impossibilidade de negociação, caso a caso, de condições gerais) e a imposição
a seguros de grandes riscos (como o seguro de riscos operacionais de uma
empresa presente diversos países ou o seguro de uma plataforma de petróleo) das
mesmas regras contratuais dos seguros massificados (como o de automóvel ou de
cobertura de furto e roubo de um celular) eram e serão cada vez mais tão
destituídos de lógica e funcionalidade quanto parece.
Trata, assim, a Resolução, de mero estabelecimento de
procedimento diferenciado de tramitação de registros e informações relativos
aos contratos de seguros, com plena manutenção da competência da SUSEP de
fiscalizar a adequação de todos os clausulados.
Aliás, o próprio Parecer da PGR descreve diversas regras
estabelecidas pela Resolução CNSP nº 407/2021 justamente para os seguros de
grandes riscos:
A Resolução 407/2021 define, ainda, os contratos de seguros de grandes riscos (art. 2º), dispõe sobre princípios e valores básicos aplicáveis aos referidos contratos (art. 4º), bem como as condições contratuais (art. 9º e 10) e dispõe regras específicas sobre os mais diversos ramos de atividade de grandes riscos: petróleo (arts. 12 e 13); riscos nomeados e operacionais (art. 14); seguro global de bancos (art. 15); aeronáutico (arts. 16 e 17); marítimo (arts. 18 a 20), nuclear (arts. 21 e 22) e seguro de crédito interno e crédito à exportação quando segurado for pessoa jurídica (art. 23).
Além disso, segundo a PGR:
Cabe ressaltar que tais dispositivos da Resolução
CNSP/407/2021 não retiram seu fundamento de validade de nenhuma norma primária.
Ocorre, porém, que a produção legislativa sobre direito civil e seguro
insere-se na competência privativa da União, por lei ordinária (CF, art. 22, I
e VII).
Obviamente, a atividade do CNSP não é a regulamentação de
leis diversas, mas a regulação do setor de seguros, o exercício de poder
normativo a ele atribuído por uma norma. Isso desde 1966, quando o Decreto-Lei
nº 73 (recepcionado pela Constituição de 1988 com status de lei complementar)
estabeleceu:
Art 32. É criado o Conselho Nacional de Seguros Privados -
CNSP, ao qual compete privativamente: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 296, de
1967)
I - Fixar as diretrizes e normas da política de seguros
privados;
II - Regular a constituição, organização, funcionamento e
fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a êste Decreto-Lei, bem
como a aplicação das penalidades previstas;
(...)
IV - Fixar as características gerais dos contratos de
seguros;
O Parecer da PGR ignorou a existência de um poder normativo
regulador dado ao CNSP pelo Decreto-Lei 73/1966 e reafirmado posteriormente por
diversas leis, inclusive a Lei Complementar nº 126/2007.
Por fim, o PGR trouxe a seguinte decisão do STF:
COMPETÊNCIA NORMATIVA – COMERCIALIZAÇÃO DE TÍTULOS DE
CAPITALIZAÇÃO – DISCIPLINA. A teor do disposto no artigo 22 da Constituição
Federal, compete exclusivamente à União legislar sobre Direito Civil, Direito
Comercial, política de crédito, câmbio, seguros e transferências de valores,
sistema de poupança, captação e garantia da poupança popular. (ADI 2.905/MG,
Rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJe de 2.2.2018)
A discussão, nesse acórdão citado pela PGR, discussão essa
que de alguma forma se pode até deduzir da Ementa (isso fica mais claro quando
se lê o Acórdão stf.jus.br) era a possibilidade de tratamento da capitalização
por lei estadual. Nada minimamente parecido com o objeto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 7.074.
Esses são todos os argumentos da Procuradoria Geral da
República.
Lamentamos a sucessão de equívocos acima apontada e ficamos
na expectativa de que o Supremo Tribunal Federal tome, por fim, a decisão
correta, qual seja, a reafirmação da possibilidade de um mercado de seguros
mais funcional, eficiente e com menos custos e exotismos, que por sua vez
depende da manutenção da Resolução CNSP nº 407/2021.
(*) João Marcelo dos Santos é Sócio Fundador do Santos Bevilaqua Advogados, Presidente da Academia Nacional de Seguros e Previdência e ex-Diretor e Superintendente Substituto da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP.
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