Nenhuma informação no momento

O papel do financiamento nos projetos de hidrogênio verde na União Europeia: um exemplo a ser seguido

30, Jun. 2022

O desenvolvimento e a consolidação de uma economia do hidrogênio, a nível mundial, apresenta uma série de desafios, que vão desde o estabelecimento de uma estrutura político-regulatória que compreenda as especificidades deste novo vetor, até a implementação de uma robusta estrutura econômico-financeira

ARTIGO ANA CAROLINA CHAVES, THEREZA AQUINO E ROBERTO IVO, DO GESEL/UFRJ

Equipe do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ -Fonte: CANALENERGIA

O processo estrutural de transição da matriz energética global, associado à necessidade de mitigação das mudanças climáticas e de descarbonização das economias, tem intensificado a busca por tecnologias de baixo carbono capazes de integrar fontes renováveis e, simultaneamente, ampliar a segurança energética. Neste contexto, o hidrogênio (H2) emerge como um potencial vetor energético para a transição em curso, diante de sua versatilidade de usos e aplicações nos processos de descarbonização (PARRA et al., 2019).

Mesmo com a pandemia em curso, a União Europeia anunciou, nos últimos meses, planos ambiciosos para a promoção do hidrogênio como energia limpa. Em linhas gerais, as estratégias encontram-se focadas (i) no desenvolvimento das capacidades de produção de H2, em especial o hidrogênio verde (H2V), visando as atividades econômicas que o utilizam como matéria prima (ex.: produção de amônia e outros derivados), e (ii) no desenvolvimento de usos finais do H2 nos setores industriais (com atenção aos setores de aço e siderurgia) e de mobilidade (ex.: células a combustível de hidrogênio).

O uso do hidrogênio é visto como uma alavanca para preservar o valor econômico dos bens atualmente dependentes do gás para a geração de eletricidade e calor, sendo parte de uma transição bem sucedida das economias contemporâneas para a neutralidade climática. Assim, via de regra, os projetos se enquadram em duas grandes categorias distintas:

(i) Polos (“hubs”) territoriais, com a intenção de concentrar os usos finais do H2 em torno dos serviços públicos locais (transporte público e coleta de resíduos); e

(ii) Projetos industriais em circuito fechado, onde o H2 é produzido para atender a uma necessidade industrial específica. Neste caso, os eletrólitos são localizados perto da indústria de transformação, utilizando o H2 que foi produzido em uma planta de energia renovável. 

No entanto, o desenvolvimento e a consolidação de uma economia do hidrogênio, a nível mundial, apresenta uma série de desafios, que vão desde o estabelecimento de uma estrutura político-regulatória que compreenda as especificidades deste novo vetor, até a implementação de uma robusta estrutura econômico-financeira (VAN DE GRAAF et al., 2020). Apesar da redução de custos e de já ser vislumbrada a competitividade econômica em algumas aplicações, a expansão do potencial de uso do hidrogênio verde e de baixo carbono requer, ainda, uma ampla atuação de políticas públicas (HYDROGEN COUNCIL, 2021).

Dentre os desafios citados, destaca-se, para a análise do presente artigo, a questão do financiamento de projetos envolvendo hidrogênio. Por ser um recurso energético com emissão “zero” de CO2, existe a tendência de o acesso ao financiamento para o empreendimento ter menor risco e, portanto, menor custo, o que pode melhorar o retorno de um determinado projeto.

Por outro lado, como acontece com outras indústrias emergentes, reconhece-se que o investimento associado ao H2 obriga a gestão de maior risco (ex.: ativos técnicos e financeiros), quando comparado com ativos maduros. Apesar da aceitação dessa evidência, o risco deve ser limitado. Para o efeito, a formação de joint ventures permite partilhar riscos e resultados a partir da aplicação de recursos financeiros consoante à estratégia de cada agente econômico envolvido.

Neste sentido, deve-se discutir qual o tipo de instrumento de financiamento que irá mitigar o risco inerente destes projetos. Assim, a União Europeia vem estimulando o uso de financiamento de projetos (project finance) junto ao setor privado e financiamentos específicos do Banco de Investimento Europeu (EIB – European Investment Bank) para fomentar o investimento em H2V.

Até 2030, o bloco europeu pretende alocar entre € 24 e 42 bilhões em investimentos para eletrólise e serão necessários € 220 a 340 bilhões para aumentar e conectar diretamente 80-120 GW de capacidade de produção de energia solar e eólica. Ademais, há 39.700 km de Backbone Europeu de Hidrogênio, o qual requer um investimento total de € 43 a 81 bilhões, até 2040. Em suma, até o momento, os fundos europeus para o hidrogênio apresentam as seguintes cifras:

(i) Recovery and Resilience Facility (RRF): € 672,5 bilhões em empréstimos e fundos perdidos (“grants”);

(ii) Just Transition Mechanism (JTM): € 17,5 bilhões em grants;

(iii) InvestEU: garantia orçamentária da União Europeia de € 26,2 bilhões;

(iv) Connecting Europe Facility (CEF): € 25,81 bilhões em grants; e

(v) Horizon Europe: € 95,5 bilhões em grants.

Nota-se que os projetos de H2V da União Europeia envolvem majoritariamente o uso de energia renovável eólica e solar. Em grandes projetos destas fontes, a receita é, normalmente, obtida a partir de um contrato de compra de energia (PPA – Power Purchase Agreement) com a concessionária local, sob o qual o projeto pode ser capaz de utilizar a solvência da concessionária para reduzir seus custos de empréstimo. Enquanto o mercado de energia eólica amadureceu significativamente nos últimos cinco anos, levando ao financiamento bem-sucedido de projetos “comerciais” sem a necessidade de PPAs de longo prazo, os projetos solares, de modo geral, ainda não são capazes de serem financiados de tal forma.

Em projetos de energia “comercial”, os financiadores recebem a garantia ou a carta-fiança da capacidade do projeto em pagar sua dívida, concentrando-se no hedging de commodities, nos valores colaterais e na renda a ser produzida com base nas curvas de preço de energia históricas e nas prospectivas de mercados totalmente desenvolvidos. Já os projetos solares em operação, devido ao seu período de pico de produção, aos altos custos marginais e à falta de capacidade comercial demonstrada, geralmente não são vistos como autossustentáveis financeiramente sem PPAs que cubram toda ou substancialmente a sua produção.

Contudo, não se espera que a dependência ao modelo PPA de projetos solares em larga escala mude no curto ou no médio prazo. Na maioria dos casos, a participação acionária na empresa gestora do projeto (também conhecida como SPE – Sociedade de Propósito Específico) será detida por, pelo menos, uma holding intermediária, criada com a finalidade de garantir o patrimônio da SPE aos financiadores, no caso de eventual financiamento do projeto.

Existem muitos outros instrumentos que são normalmente celebrados durante o desenvolvimento e a construção de um projeto de energia renovável. Os instrumentos podem incluir (i) um ou mais PPA, com um fluxo de renda pelo fornecimento de energia, pagamentos de capacidade ou ambos, (ii) um Contrato de Engenharia, Aquisição e Construção (“Contrato EPC”), (iii) um Contrato de Locação do Local, se o terreno onde será instalado o empreendimento não for de propriedade da própria empresa do projeto, (iv) um Contrato de Crédito de Energia Renovável, em estados onde for aplicável, (v) um Contrato de Interconexão para projetos vinculados à rede elétrica, (vi) contratos para a prestação de serviços de utilidade pública, (vii) contratos para o fornecimento de matérias-primas, no caso de biocombustíveis, (viii) um contrato financeiro do hedging necessário de preço e fornecimento, (ix) contratos incluindo estruturas de equity flip, para aproveitar os incentivos fiscais, e (x) outros contratos necessários ou desejáveis para desenvolver, construir ou operar o projeto.

Ademais, em alguns casos, certos subprodutos da produção podem ser vendidos além do produto primário, como, por exemplo, vapor como subproduto de projetos de cogeração de energia, grãos de destiladores de alta proteína como subproduto da produção de etanol ou dióxido de carbono onde existem mercados.

Destaca-se que a União Europeia definiu que o H2 será vendido ao(s) usuário(s) final(is) a partir de um contrato de compra de hidrogênio de longo prazo (HPA – Hydrogen Purchase Agreement). Tal contrato deverá ter um prazo o mais próximo possível do PPA celebrado entre o operador do eletrolisador e o(s) produtor(es) da eletricidade de baixo carbono, energia necessária para a produção do H2V. Além disso, o HPA deverá refletir as condições que regem a compra de eletricidade via o PPA.

Estruturar projetos locais de eletrólise verde implica em estabelecer uma dupla cadeia de riscos, tanto físicos, quanto contratuais. Como exemplos, destacam-se os riscos técnicos durante a construção e operação da usina de geração de eletricidade e da usina de produção de H2V, os riscos de contraparte na execução do PPA e do HPA, os riscos comerciais residuais para o operador do eletrolisador, quando o prazo do HPA for inferior à vida útil da usina de produção de hidrogênio verde, dentre outros. 

Diante deste contexto, a União Europeia vem anunciando, desde 2018, pacotes como parte dos planos de estímulo econômico ao hidrogênio, com cifras que já ultrapassam € 7 bilhões. No âmbito mundial, dos € 70 bilhões de financiamento público prometidos pelos diferentes governos para apoiar o setor de hidrogênio, mais da metade é proveniente dos estados-membros da União Europeia em coordenação com a Comissão Europeia. Destaca-se que tais investimentos oferecem os subsídios necessários para que outros países do continente americano (como o Brasil e os Estados Unidos), assim como do Asiático (Austrália, Japão e Coréia do Sul), venham a trilhar o mesmo caminho do ponto de viabilidade econômico-financeira.

Por fim, entende-se que, no Brasil, caso o governo federal e as agências reguladoras não viabilizem uma agenda de parceria público-privada para fomentar este tipo de financiamento para projetos de hidrogênio no país, serão observadas dificuldades na criação de hubs no território nacional, pois, via de regra, dependerá de grants (financiamento público) e de inciativas privadas com auxílio de bancos de desenvolvimento, como o BNDES. Sem a conjugação de políticas públicas, seja através dos incentivos e regulação, como também do interesse e participação do capital privado, será difícil trilhar estratégias similares às adotadas pela União Europeia na implementação da indústria nacional do hidrogênio.

Ana Carolina Chaves é Pesquisadora plena no Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GESEL/UFRJ). Thereza Aquino é Professora da Escola Politécnica da UFRJ e Pesquisadora associada do GESEL/UFRJ. Roberto Ivo é Professor no Departamento de Engenharia Industrial da UFRJ.


A  ABGR apoia o INSURTECH LATAM FORUM 2022, UM DOS MAIORES FÓRUNS LATINO-AMERICANOS DE INOVAÇÃO EM SEGUROS

De 08 a 12 de agosto.

Mais informações sobre o forum e inscrições em:https://www.insurtechlatam.com.br/

Associados ABGR têm desconto na inscrição!



Curso Preparatório e Certificação Profissional Internacional em Gestão de Riscos.

Associados ABGR têm desconto para inscrições antecipadas. Solicite mais informações através do

e-mail: abgr@abgr.com.br 



Pesquisa ESG para Gerentes de Riscos

A WTW convida você a participar de Pesquisa ESG para Gerentes de Riscos, abordando os Fatores Ambiental, Social e de Governança.

Breve Pesquisa de 15 minutos.

Em retribuição a WTW compartilhará uma cópia dos resultados que ajudarão os líderes de negócios e profissionais de riscos estratégicos a entender como as organizações abordam o risco de ESG.
A pesquisa será encerrada em 30 de junho de 2022. Vale ressaltar que somente dados consolidados de todos os participantes serão apresentados no relatório final - seus dados individuais serão mantidos em sigilo.
Se tiver alguma dúvida sobre a pesquisa, envie um e-mail para wtwsurvey@willistowerswatson.com
Para mais informações sobre a pesquisa e para respondê-la acesse:


Marcia Ribeiro entrevista Kelly Conde Mitidiero, Superintendente de Comunicação e Relações Externas da MAPFRE, sobre a Inovação do Empoderamento da mulher.

Ouça: https://anchor.fm/sousegura/episodes/Voz-Segura-l-A-inovao-do-empoderamento-da-mulher-e1kbdam


             


Acesse as edições mais recentes das publicações do Mercado de Seguros

Revista Apólicehttps://www.revistaapolice.com.br/2022/05/edicao-276/

Revista Coberturahttps://www.revistacobertura.com.br/revistas/revista-cobertura-243/

Revista Insurance Corp: http://insurancecorp.com.br/pt/content/pdf/ic_ed41_2022.pdf

Revista Segurador Brasil: https://revistaseguradorbrasil.com.br/edicao-172/

Revista Seguro Total: https://revistasegurototal.com.br/2022/04/20/edicao-225-2022-a-volta-dos-encontros-presenciais/

Revista de Seguros: https://cnseg.org.br/publicacoes/revista-de-seguros-n-920.html

Conjuntura CNseg https://cnseg.org.br/publicacoes/conjuntura-cnseg-n72-8A8AA8A3814031B80181721AABD66752.html

Revista Insurtalks https://www.flipsnack.com/FEDBBBDD75E/revista-insurtalks-2/full-view.html

Revista Brasil Energia:https://editorabrasilenergia.com.br/wp-content/uploads/sites/1/flips/133132/Bia475/index.html