O capital reputacional de Compliance
08, Ago. 2022
Integridade assume
papel fundamental na execução de agenda ESG séria
Por Carolina Junqueira Fonte: Valor Econômico
Tentei me lembrar quando ouvi “ESG” pela primeira vez. Não
consegui precisar, mas, certamente, foi depois que comecei a trabalhar com
Compliance, circa 2010. O termo, no entanto, surgiu bem antes, em 2004, na
publicação “Who Cares Wins”, do Banco Mundial em parceria com o Pacto Global
das Organização das Nações Unidas.
Lá no início da década passada, embora eu não conhecesse a
expressão, eu fazia ESG. Não só porque Compliance já era um requisito de
governança corporativa, mas porque trabalhar para que as regras de conduta da
empresa fossem seguidas sempre me deu aquela sensação muito característica do
trabalho com propósito. É uma noção que, de alguma forma, você está
contribuindo para que transformações positivas aconteçam. A afirmação pode soar
naïve, mas escuto muito isso de profissionais de Compliance, que compartilham
do sentimento genuíno de que, através de uma cultura corporativa mais ética,
uma sociedade mais justa possa ser construída.
Atuação
responsável, cumprimento de regras e transparência estão virando commodities
para um mercado cada vez mais exigente. Para a geração que está moldando a
sociedade de consumo do futuro, a tendência não é modismo, o que torna o
caminho sem volta
Fato é que, apenas
nos últimos anos, observamos iniciativas mais estruturadas nas empresas
brasileiras acerca do tema. Hoje, estar comprometido com a agenda ESG é
mandatório para qualquer agente que queira ser minimamente relevante em seu
mercado de atuação. Já não saber o que significa ESG, como eu não sabia à
época, é quase uma gafe corporativa!
A reputação de uma
empresa nunca importou tanto para os seus negócios. Considerando-se apenas os
aspectos extrínsecos das práticas socioambientais, o bem, ao ser feito - por
convicção ou por obrigação - traz retornos para a marca institucional. As
organizações reconhecidas como ESG atraem visibilidade, talento e investimento.
Em contrapartida, condutas antiéticas podem arruinar pessoas físicas e
jurídicas, que estão permanentemente sujeitas ao julgamento dos “tribunais” de
uma sociedade implacável. As mídias sociais potencializam os impactos
reputacionais, sentidos em diversos níveis, seja na derrubada do valor de
mercado de uma companhia ou no
“cancelamento” de um indivíduo associado a um escândalo corporativo.
Na medida em que o padrão de compra - não apenas de produtos
e serviços, mas, especialmente, de conteúdo e ideias - evoluiu e se sofisticou
rapidamente nos últimos anos, o consumo consciente passou a ser uma máxima
inevitável. A atuação responsável, o cumprimento de regras e a transparência
estão virando commodities para um mercado cada vez mais exigente. Os consumidores,
especialmente os mais jovens, esperam pioneirismo e inovação no campo da
sustentabilidade. Para a geração que está moldando a sociedade de consumo do
futuro, a tendência não é modismo, o que torna o caminho a ser percorrido pelas
organizações sem volta.
O cenário macro é o pano de fundo para a aceleração das
mudanças. As crises inimagináveis do momento - climáticas, sanitárias,
econômicas e institucionais - desafiam a ordem mundial e impõem um apelo à ação
aos agentes de mercado para, que, literalmente, ajudem a salvar o planeta.
Especificamente no campo de Compliance, as grandes mudanças
regulatórias ocorridas na última década, representadas em avanços legislativos
no Brasil, como a lei anticorrupção e a lei geral de proteção de dados, bem
como movimentos sociais globais, como Me too e Black Lives Matter, trouxeram
para as empresas a necessidade urgente de se adequarem e oferecerem respostas
às demandas contemporâneas.
Mas tempos de ESG são, também, tempos de greenwashing. E aí,
não basta parecer, tem que ser. Nesse sentido, Compliance assume um papel
fundamental na implementação de uma agenda ESG séria. É claro que a observação
da regulação societária e de boas práticas de governança corporativa são
essenciais para o cumprimento das obrigações assumidas pela empresa com os
stakeholders.
Compliance, porém, ao
se concentrar nos aspectos intrínsecos da empresa, contribui para que as
mudanças na organização se tornem parte de sua identidade. Esse mesmo
consumidor que espera que as empresas e seus líderes exerçam sua influência
positivamente também quer, verdadeiramente, se conectar com seus valores.
Um Código de Conduta que defina claramente quais os
princípios éticos da empresa; um departamento de Compliance efetivo que apure
desvios e aplique as penalidades; um sistema de controles internos que previna
fraudes; um ambiente de trabalho seguro que permita que diversidade se converta
em inclusão; tudo isso estabelece as bases para que a organização possa
legitimamente alcançar suas metas, preservando sua essência.
Mas Compliance pode
ir além como vetor de implementação das demais pautas ESG. Ao se falar em
conexão com os valores do ecossistema em que as empresas estão inseridas,
Compliance pode servir como ponte entre a organização e sua comunidade. Afinal,
Compliance significa exatamente o cumprimento de regras que traduzem os valores
éticos da empresa e o que eles representam. Portanto, nesse contexto, é
esperado liderança também dos agentes de Compliance, que devem compreender o
seu papel de guia dentro das organizações nos mais variados temas éticos.
O programa de integridade de prateleira, que se propõe
apenas a cumprir requisitos mínimos, não será suficiente para lidar com os
dilemas que estão surgindo. Questões como, por exemplo, relações interpessoais
e respeito; transparência e privacidade; metaverso e ética digital, já estão na
pauta, e o seu enfrentamento requer profissionais de Compliance preparados para
o tamanho do desafio.
Não há como negar que existam custos de implementação e
manutenção de sistemas de integridade. Há os custos financeiros, sobre os quais
muito já se fala, mas, há, também, os custos estratégicos. Em muitos casos,
decisões comerciais, de investimento ou de recursos humanos precisam ser
revistas por questões de Compliance. Administrar tais custos pode ser
trabalhoso e desgastante; requer vontade da organização.
A conta se fecha, justamente, com o capital reputacional que
Compliance adiciona à equação. Mais do que compor a agenda ESG, como um subitem
de governança, Compliance cria as bases para que essa agenda possa se
desenvolver e dar frutos. Uma empresa na qual a sociedade confia consolida seus
valores e sua reputação, e Compliance tem papel fundamental nessa fórmula
vencedora. Porém, muito mais do que adicionar reputação a essa equação de valor
coletivo, Compliance traz em si o valor individual da busca do bem maior. No
fim das contas, com Compliance, estamos todos no lucro.
Carolina Bueno Junqueira é advogada e Diretora de Compliance e Riscos no Grupo Globo.
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