Com mais peso estratégico, gerente de riscos tem que seguir evoluindo
Evento da FERMA em Madri indica o trajeto que a profissão deve seguir em suas empresas também no Brasil
A presidenta da FERMA, Charlotte Hedemark, durante a abertura do evento (Divulgação)
A profusão de novos riscos que pululam pelo mundo está forçando os gerentes de riscos a mudar sua maneira de trabalhar e a estar em contínuo processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo, a tendência é que a profissão ganhe cada vez mais protagonismo nas empresas.
Ou ao menos isso é o que diz a FERMA, a federação de associações de gerentes de riscos europeias, que em sua conferência bienal em Madri publicou um novo estudo sobre a evolução da carreira no mundo.
Baseado em questionários respondidos por 1041 gerentes de riscos espalhados por 77 países, o estudo conclui que a função está hoje mais integrada ao planejamento estratégico de suas companhias do que em anos anteriores.
Foi o que disseram 91% dos entrevistados, embora só uma pequena parte – 23% - disse que está amplamente integrada à estratégia corporativa. Um terço dos respondentes disse que participa de grande parte das decisões estratégicas, e a mesma proporção, que tem o dedo em algumas delas.
Preocupações generalizadas
O estudo também concluiu que as empresas compartilham várias preocupações que são comuns onde quer que elas estejam.
Um exemplo é o risco cibernético, e outro, os vais-e-vens do crescimento econômico.
Também há cada vez mais gerentes de riscos perdendo o sono com as incertezas geopolíticas, certamente um reflexo da proximidade dos gerentes de riscos europeus, que constituem a maior parte dos respondentes, com os conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, entre outras fontes de turbulência na sua vizinhança. Também a atração e manutenção de profissionais de talento ganha peso nas matrizes de riscos.
A evolução dos riscos que mais preocupam
2020
| 2022
| 2024
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Fonte: FERMA
“As empresas hoje têm que se preparar para as condições climáticas, para os riscos cibernéticos. Há questões de economia mundial, eleições como as dos Estados Unidos, há a China, existem conflitos armados”, comenta o consultor Fabrizio Mascena, que esteve em Madrid representando a Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR). “Cada vez mais elas têm que começar a pensar fora da caixinha, para além do seu negócio principal. Aqui se falou muito disso.”
O Brasil não é um caso à parte, concorda Rogério Vergara, o presidente da Associação Nacional de Seguros e Previdência (ANSP), que também foi ao fórum da FERMA em nome da ABGR.
“Tudo o que se comentou aqui, nós comentamos nos encontros da ABGR no Brasil. A gente também está preocupado com os riscos cibernéticos, os riscos políticos e os riscos climáticos”, afirma ele.
Mas Vergara também observou que há uma diferença importante entre a maneira como os riscos são tratados no Brasil e outros mercados.
“Existe uma sintonia muito grande da percepção de risco, mas o que difere é a atitude que se observa na Europa e no Brasil sobre esses riscos”, diz ele. “Nas economias mais avançadas, o gerenciamento de risco está mais integrado à gestão da empresa e mais envolvido nos processos decisórios, no direcionamento da estratégia. Enquanto isso, no Brasil, o gerente de riscos ainda é visto como um comprador de seguros.”
Um novo impulso para a profissão
Mas a profissão vem recebendo um impulso, por exemplo, de melhorias nas regras de gestão das várias esferas de governo.
“Houve um movimento nos últimos dez anos no Brasil em que as empresas públicas começaram a se posicionar no sentido de ter gerentes de riscos vinculados com os departamentos públicos. Elas estão desenvolvendo planos de ação no caso de ataques cibernéticos, por exemplo”, diz Vergara.
“Esse é um ponto importante porque, no momento em que o governo tem consciência dos riscos que ele mesmo sofre, ele começa a criar mecanismos, a estabelecer legislação e regulamentos para que todas as empresas passem a seguir.”
Fonte: FERMA
Em um painel durante o evento, um participante declarou que os gerentes de riscos brasileiros contam com várias vantagens, como o fato de que estão acostumados a lidar com situações de crises, são obrigados a ser criativos e agir com celeridade.
José Manuel Dias da Fonseca, CEO da corretora MDS e da rede Brokerslink, também elogiou a qualidade da gerência de riscos no Brasil. Cada um tem direito à sua opinião, mas quem sabe em uma próxima edição a FERMA convide gerentes de riscos em atividade no Brasil para dar uma visão mais realista das dificuldades que a profissão enfrenta no país e seu real estado de desenvolvimento.
Sebo nas canelas
Começar a investir mais em gerência de riscos é importante, mas também o é botar o pé no acelerador para preparar as empresas a enfrentar um ambiente de negócios que não vai parar de criar novas ameaças ao seu balanço.
No fórum da FERMA, aliás, o tema do momento foi o da “revolução do risco”, ou seja, a necessidade de rapidamente adaptar a gerência de riscos a uma realidade cada vez mais flutuante.
“Isso reflete a ideia de que é necessário incorporar uma abordagem transformativa da gerência de riscos e refletir uma mudança de mentalidade, desde uma escola de gerência de riscos da velha guarda que valoriza métodos reativos a uma que é mais proativa, estratégica e integrada”, disse a presidenta da FERMA, Charlotte Hedemark, na abertura do evento.
De uma forma mais direta, o que as empresas devem fazer é não chamar o gerente de risco só quando ocorre uma desgraça. A função deve estar envolvida nos estágios iniciais do planejamento estratégico para evitar que as desgraças aconteçam. O gerente de risco deve estar empoderado para garantir que se levem em consideração fatores que podem botar por água abaixo os planos mais bem bolados.
E para isso devem contar em seus quadros com profissionais bem preparados e que estejam por dentro da emergência de novos riscos. Alguém que se dedique ao tema integralmente e que seja capaz de influenciar decisões em qualquer área da empresa.
Uma tarefa complicada que requer uma mudança cultural em muitas empresas, como observou Hedemark. Também é preciso que os próprios gerentes de riscos deem um passo à frente e assumam uma atitude mais assertiva, batendo o bumbo sobre suas contribuições.
Porque o clichê é velho, mas não deixa de ser verdadeiro: quem não arrisca, não petisca, e para poder arriscar é necessário saber quais os riscos que podem estar pela frente e investir em sua mitigação.
“Os gerentes de riscos de hoje se enfrentam com um duplo desafio: o de responder a choques imediatos e de curto prazo ao mesmo tempo em que devem integrar preocupações de longo prazo, como a preparação para as mudanças climáticas e a transição energética”, afirmou a presidenta da FERMA.
A profissão vai na direção correta…
A boa notícia é que o estudo da FERMA mostra que a profissão está, de um modo geral, andando na direção correta.
Alguns resultados foram animadores. Por exemplo, 70% dos participantes disseram que estão trabalhando em maneiras de reagir a riscos estratégicos, contra 61% na edição anterior do estudo, em 2022.
Enquanto dois anos atrás apenas 40% dos gerentes de riscos participavam de discussões sobre o impacto da sustentabilidade sobre as operações de suas empresas, agora o número chega a 53%.
Os riscos globais mais importantes nos próximos 10 anos
Eventos climáticos extremos
Mudanças críticas aos sistemas do planeta
Perda de biodiversidade e colapso de ecossistemas
Escassez de recursos naturais
Informações erradas e desinformação
Efeitos adversos das tecnologias de IA
Migração involuntária
Inseguridade cibernéticas
Polarização social
Poluição
Fonte: FERMA
A função também está sendo chamada a contribuir em áreas que vão muito além aos riscos de incêndio e de responsabilidades que historicamente lhe caracterizam. Metade dos entrevistados disse que está participando de discussões sobre riscos de disrupção do negócio, 44%, sobre riscos geopolíticos, e 37%, sobre cenários estratégicos que podem impactar suas empresas.
Outros resultados mostram que desafios não faltam para a profissão. Apenas 36% dos participantes são mulheres. Não mais que 31% se dedicam tanto à gerência de riscos operacionais quanto à compra de seguros corporativos.
E 88% dizem que utilizam planilhas de cálculos e powerpoints como principais ferramentas de trabalho. Quarenta por cento também utilizam programas especializados em ERM (Entreprise Risk Management), mas parece um número baixo em tempos de digitalização acelerada e de integração da inteligência artificial aos negócios.
O responsável de uma empresa de software presente em Madri disse à RSB que a falta de intimidade da profissão com as ferramentas digitas mais avançadas segue sendo um tema importante no setor.
“Eles ainda se fiam de planilhas onde a inserção de um número errado é suficiente para invalidar todo o documento”, observou.
… mas é preciso investir mais em formação
A irrupção da IA, com todos os problemas e oportunidades que a tecnologia acarreta, é um exemplo eloquente da necessidade que os gerentes de riscos têm de estar sempre informados sobre o que há de mais avançado em seus setores de atividades.
Durante o fórum da FERMA, muito se falou sobre IA, seu potencial de transformar as mais variadas atividades econômicas e seu impacto sobre os riscos cibernéticos.
Nesse último caso, se debateram deepfakes e outros tipos de ataques cibernéticos facilitados pela tecnologia. Mas os participantes também reforçaram uma ideia que vem sendo abalançada com cada vez maior frequência no mercado: a de que, no final das contas, a IA vai acabar reforçando os sistemas de segurança cibernéticas das empresas.
Para que isso se torne realidade, porém, a profissão precisa se renovar. Gente jovem e com backgrounds diferenciados precisa se interessar pela gerência de riscos.
Outro levantamento divulgado em outubro, desta vez pela associação francesa AMRAE, mostra o quanto ainda há de se fazer neste sentido. O estudo revela que o gerente de riscos médio francês é um homem de entre 36 e 55 anos com mais de 15 de experiência no setor. Ele tem uma formação em direito, administração ou engenharia. Quem comparece aos eventos da profissão no Brasil tampouco verá nada de estranho nesse retrato.
O estudo mostra, porém, que já está havendo avanços, ao menos na França, em mudar este perfil. Quase metade dos gerentes de riscos lá são mulheres, contra pouco mais de um quinto em 2009. A brecha salarial com seus colegas homens está fechando e agora se encontra em 8%, contra 15%-20% em 2022.
A AMRAE também encontrou um aumento na quantidade de gerentes de riscos com menos de 36 anos ativos no mercado. Dois fatores podem explicar este movimento. Em primeiro lugar, os salários da profissão são mais atrativos que antigamente, chegando a uma média de 75 mil euros por ano (R$ 464 mil). Os profissionais mais gabaritados podem receber até 250 mil euros anuais (R$ 1,5 milhão).
Outro é a forte ênfase que a AMRAE coloca no seu trabalho de formação de novos profissionais. No decorrer dos anos, a organização criou uma série de cursos de graduação e pós-graduação em parcerias com universidades e outras entidades de classe. A FERMA segue uma linha parecida, oferecendo cursos que resultam em uma certificação específica para a gerência de riscos, a RIMAP.
A oferta de formação específica e a valorização da profissão são resultados da evolução da carreira, mas também de um trabalho de intenso de lobby por parte de organizações como a AMRAE junto a seus respectivos governos. O que se vê em alguns mercados europeus é que os gerentes de riscos já não são tão obscuros assim e até participam da formulação de políticas públicas. Isso ajuda a atrair talentos.
O que é outra lição que os participantes do fórum da FERMA levaram para suas casas ao final do evento em Madri.
“Entre os grandes desafios que a gente tem na ABGR está a formação técnica”, observa Vergara. “Talvez seja possível levar para o Brasil duas ou três certificações distintas para que oferecer para as pessoas que tenham interesse em entrar nessa carreira.”
“É preciso trazer pessoas interessadas em participar de um segmento que oferece oportunidades de desenvolvimento e grandes chances de realização profissional e financeira”, completa Mascena.
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