Como as empresas cativas ajudam a enfrentar falta de capacidade e riscos difíceis
Por: Rodrigo Amaral - Fonte Risco Seguro Brasil
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As cativas de resseguro invadem o mercado francês e podem inspirar soluções para os efeitos indesejados de nova lei de seguros
Com a nova lei de seguros no Brasil, um tema que deve entrar na pauta de muitas empresas é o do acesso à capacidade de seguros. A recente experiência da França pode ajudar a identificar uma solução para esse possível problema.
Os críticos da nova lei, que aguarda sanção presidencial, dizem que ela vai engessar os clausulados e prejudicar a inovação, ademais de restringir a oferta de capacidade de resseguros no Brasil.
No ano passado, durante o congresso bienal da ABGR, um assunto discutido pelos participantes foi o uso das cativas de resseguro para mitigar problemas de acesso a capacidade. Com o regime jurídico que se avizinha, de repente é o caso de retomar esta discussão com algo mais de urgência.
As cativas são, na prática, pequenas seguradoras montadas pelas empresas para otimizar suas estratégias de financiamento de riscos.
Muito comuns nos Estados Unidos, são utilizadas especialmente para financiar a retenção de riscos de alta frequência, mas pouca intensidade, como as camadas inferiores dos programas de danos à propriedade com exposição catastrófica ou de grandes frotas de automóveis.
Nos últimos anos, porém, devido à redução do apetite de risco do mercado, cada vez mais empresas utilizam suas cativas para vencer a resistência do mercado primário e acessar diretamente fontes de capacidade mais agressivas como Londres, Zurich ou Bermuda. Hoje já é comum ver cativas que subscrevem riscos cibernéticos, riscos nucleares ou seguros de vida e saúde para empregados.
Segundo o NAIC, regulador de seguros dos EUA, hoje já há mais de 7.000 cativas no mundo. Em 1980, o número mal passava de 1.000. Cerca de metade está sediada em Estados americanos.
Uma ferramenta útil, mas não barata
Ter uma empresa cativa também significa desafios para as companhias. Afinal, na maioria dos países (como o Brasil), elas são sujeitas a regras de supervisão prudencial similares às das grandes seguradoras. Um cumprimento à risca de tais regras significaria incorrer em custos elevadíssimos.
Para solucionar esse problema, algumas autoridades de supervisão adaptaram suas normas para reduzir o custo regulatório da criação e manutenção das cativas. É o caso dos Estados americanos de Vermont ou Delaware ou países europeus como a Irlanda, Malta e, especialmente, Luxemburgo.
Os principais centros de cativas do mundo
Fonte: Allianz Commercial
Muitas multinacionais possuem, portanto, cativas nessas jurisdições, o que cria seus próprios problemas, uma vez que necessitam criar uma estrutura mínima em um país estrangeiro para gerir a estrutura.
Por esse motivo, fora dos EUA, em geral só grandes corporações multinacionais conseguem tradicionalmente criar suas ferramentas de retenção de risco no exterior.
A inovação que vem de Paris
Na França, a associação nacional de gerência de riscos, AMRAE, decidiu que essa situação estava impedindo muitas empresas de acessar o mercado de seguros, especialmente durante o mais recente mercado duro. Na prática, só as grandes corporações que fazem parte do CAC40, principal índice da Bolsa de Paris, tinham bala na agulha para dar tal passo.
Durante anos, a associação, que é muito briguenta, fez um forte lobby junto ao governo para que fossem adotadas novas regras contábeis e fiscais que reduzissem o custo de montar uma cativa no próprio país.
A luta deu resultado em junho de 2023, quando uma cláusula neste sentido foi incluída no projeto de Orçamento do governo francês que valeria a partir de setembro. Através de tal mudança, a legislação francesa ficou mais próxima da que vale em Luxemburgo, que é o país onde, tradicionalmente, as empresas francesas instalam suas cativas.
Desde então, a França está vendo uma onda de criação de cativas de resseguro, e até mesmo empresas familiares e de porte médio estão entrando na onda.
Já tem até conferência sobre o tema
Menos de um ano e meio depois da implementação da nova lei, o número de cativas de resseguros francesas passou de uma meia dúzia para 18, e outra dúzia de projetos está sob análise da ACPR, que é o supervisor do mercado de seguros no país.
O interesse é tanto que a AMRAE já fomentou a criação de uma federação de cativas, chamadas FFCE, que realizou sua primeira conferência anual na metade de novembro em Paris.
A RSB esteve lá para acompanhar o evento, que atraiu quase 200 participantes – um verdadeiro blockbuster no arcano mundo das cativas de resseguros.
“No ano que vem, vamos buscar um auditório capaz de receber mil pessoas”, brincou a presidente da FFCE, Brigitte Bouquot, na abertura da conferência.
Razões para ter uma empresa cativa
Durante a conferência, gerentes de riscos de empresas que possuem cativas, novas ou antigas, explicaram os motivos por que decidiram criar suas ferramentas de retenção.
Anne-Claire Pechoux-Lokoto, a diretora de Seguros do Grupo SEB, um fabricante de artigos de cozinha, disse que a decisão de criar uma cativa em 2023 foi motivada pelas dificuldades de acesso a capacidade de seguros durante o mercado duro que começou um pouco antes da pandemia.
Mas também foi uma maneira de “aumentar a clareza” durante as negociações com o mercado de seguros, uma vez que o processo de modelização de riscos que a cativa necessita fazer motiva a empresa a olhar com mais atenção suas próprias exposições, notou ela.
Por sua vez, Clarisse Billot, diretora de Seguros do grupo Avril, uma empresa de agribusiness, disse que o objetivo de longo prazo de sua cativa, criada já com as novas regras, é impulsionar as políticas de gerência de riscos nas várias unidades da empresa, incluindo as que estão fora do país.
Um argumento parecido foi apresentado por Helman le Pas de Sécheval, um membro do comitê executivo do grupo energético Veolia, que já tem uma cativa francesa há mais de 23 anos.
Ele observou que o trabalho da cativa, por suas exigências regulatórias, demandou a criação de um comitê especializado na identificação de novos riscos e na elaboração de políticas de prevenção para todo o grupo.
(A cativa) nos permite adaptar as coberturas de seguro à evolução de nossas necessidades e de nosso perfil de riscos. E o comitê também lida com riscos emergentes, antecipando desafios futuros e preparando a empresa para enfrentá-los.
Ele observou que ferramenta de retenção está sendo plenamente utilizada para elaborar as políticas de adaptação às mudanças climáticas, um risco vital para uma empresa de energia.
Uma mão-na-roda para gerir riscos nucleares e cibernéticos
A utilidade da cativa de resseguros para financiar a transferência de riscos complicados é exemplificado pela Orano, uma empresa de energia nuclear, que possui uma cativa desde 1991.
Ersida Ago, diretora de Seguros da empresa, observou que a cativa do grupo foi criada a princípio para viabilizar a transferência de riscos nucleares, algo que o mercado sempre se mostrou relutante em aceitar. Mas logo o instrumento foi utilizado também para outras finalidades menos dramáticas.
Começamos com danos à propriedade (para plantas nucleares) e com o tempo acrescentamos responsabilidade civil de operadores, contratistas e transportadores, ademais de riscos cibernéticos. Alguns anos atrás, os riscos cyber eram novos, e a cativa nos ajudou a transferi-los, mas agora os retiramos porque já não são uma novidade para o grupo.
A Sonepar, que produz peças de automóveis, dedicou sua cativa a princípio para colocar riscos de property com exposições catastróficas, mas mais recentemente acrescentou os riscos de responsabilidade civil para automóveis, mais especificamente nos EUA, onde esse mercado está bastante difícil.
François Beaume, vice-presidente de Riscos e Seguros do grupo, ressalta que a ferramenta deve seguir sendo acionada para garantir o futuro da empresa.
Nossa cativa é a entidade que estrutura, financia e organiza, até mesmo desde um ponto-de-vista regulatório, nossos esforços de prevenção em todas suas dimensões. Nosso de adaptação às mudanças climáticas está sendo criado, constituído e mantido pela cativa do grupo.
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